Perguntam-me não raras vezes:
- "Qual o livro de José Saramago que mais gostaste de ler?"
A resposta que pode ser dada a cada momento:
- "Impossível de dizer... não sei responder, não seria justo para com outros (livros) não nomeados. Mas uma coisa sempre soube. Uma obra de Saramago, enquanto "pseudo ser vivo" ou com "gente dentro" tem que me raptar, prender-me, não me deixar sair de dentro das suas páginas. Fazer de mim um refém, e só me libertar no final da leitura... mesmo ao chegar à última página. Aí, o "Eu" leitor que se mantém refém, liberta-se da "gente que a obra transporta dentro" e segue o seu caminho.
Mas segue um caminho que se faz caminhando, conjuntamente com mais uma família"

Rui Santos

domingo, 26 de junho de 2016

Apresentação da XXIV edição do "Festival Sete Sóis Sete Luas" 2016

Cartaz de apresentação da XXIV edição

Mais informações, através do site oficial, aqui  
ou na página do Facebook, aqui

História e origem do festival, aqui

"COMO NASCE"

"Pela curiosidade e audácia de um grupo de estudantes da Toscana e o apoio de um escritor português nasce a experiência do Festival Sete Sóis Sete Luas.

Jovens sonhadores, com uma grande paixão pelo teatro, fundam o Gruppo Teatrale Immagini (Grupo Teatral Imagens) em 1987. Ansiosos por atravessar a fronteira italiana, em 1991, voam até ao Alentejo. Aqui apresentam vários espectáculos com muito sucesso e entram em contacto com José Saramago, convidando-o a visitar Pontedera. O escritor português não só aceita o convite, como também lhes oferece os direitos de autor em Itália do seu livro “O ano de 1993”. Em 1993 nasce o Festival Sete Sóis Sete Luas, dirigido por Marco Abbondanza desde a sua primeira edição, e começa  o original e rico intercâmbio cultural entre Itália e Portugal que, ao longo dos seus 21 anos (1993-2013), já viu aderir muitos outros países: Grécia (1993), Espanha (1997), Cabo Verde (1998), França e Marrocos (2005), Israel (2006), Croácia (2008), Brasil (2009), Roménia (2012), Eslovénia e Tunísia (2013), privilegiando sempre as localidades periféricas e não os grandes centros.


UM PRESIDENTE HONORÁRIO MILITANTE E UM SÍMBOLO ILUMINISTA

José Saramago deu ao Festival SSSL os instrumentos, filosóficos e práticos, para começar esta fantástica viagem pelo Mediterrâneo e pelo mundo lusófono. O Festival inspira-se nos valores presentes na sua obra “Memorial do Convento”, cujas personagens são sonhadores de alma visionária, que vivem numa Europa medieval, oprimidos por uma intolerante e tenebrosa Inquisição. Baltazar Sete Sóis e Blimunda Sete Luas criam a “passarola”, uma máquina voadora, que é o símbolo do Festival pelo seu poder evocativo e simbólico, representando a metáfora do sonho e da liberdade utópica. O Festival serve-se da capacidade da arte, da música e da literatura de ver para além da realidade do nosso tempo.


O QUE É

– Uma Rede cultural de 30 cidades de 13 Países – Brasil, Cabo Verde, Croácia, Eslovénia, Espanha, França, Grécia, Israel, Itália, Marrocos, Portugal, Roménia e Tunísia – que privilegia relações vivas e directas com os pequenos centros e os artistas;
– Uma viagem pelo Mediterrâneo e pelo mundo lusófono: uma viagem feita de encontros. Os artistas, os operadores culturais e os espectadores participam nas acções de mobilidade internacional ;
– Um Festival que vai ao encontro das pessoas, não das praças e dos monumentos;
– Um Festival da criação musical: cada ano produz uma ou mais orquestra multicultural;
– Promotor de turismo cultural: o público pode seguir o Festival nas várias paragens da sua viagem pelo mundo lusófono e mediterrâneo;


PRÉMIOS E DISTINÇÕES INTERNACIONAIS

– 2 vezes o apoio do Programa Caleidoscópio da Comissão Europeia
– 6 vezes o apoio do Programa Cultura2000 da Comissão Europeia e 1 vez o apoio do Programa Interreg Medocc
– a 20 de Janeiro de 2009 e de 2013, o Festival SSSL foi apresentado no Parlamento Europeu em Bruxelas, numa audição especial;
– a 16 de Abril de 2009 recebeu o prestigioso prémio espanhol “Caja Granada” para a Cooperação internacional. O prémio de 50.000€ foi investido na construção de um novo Centrum SSSL na Ribeira Grande, na ilha de Santo Antão em Cabo Verde."


"CASTRO VERDE homenageou JOSÉ SARAMAGO no SETE SÓIS" (03/02/2011)

Aqui via blog "Casa das Primas", 

"Na ultima edição do Festival Mediterrânico, Sete Sóis ,Sete Luas, a organização homenageou José Saramago, com colagens de passagens das suas obras, especialmente do seu livro "O Memorial do Convento", pelas paredes das casas da Rua D. Afonso I."

Tribuna do Alentejo - "Saramago liga o Alentejo ao mundo" sobre a XXIV edição do "Festival Sete Sóis Sete Luas"


A notícia publicada no site da "Tribuna do Alentejo", pode ser recuperada aqui, 
em http://www.tribunaalentejo.pt/tribuna/artigos/saramago-liga-alentejo-mundo-festival-sete-sois-sete-luas

Link directo para o "Festival Sete Sóis Sete Luas" aqui
em http://www.festival7sois.eu/pt-pt/

"Saramago liga o Alentejo ao mundo"

"Tudo nasceu de um convite de um grupo de estudantes italianos a José Saramago, durante uma visita ao Alentejo, para ir conhecer a sua cidade, Pontedera, na Toscana, em 1992. Um intercâmbio cultural entre Portugal e Itália que o escritor apadrinhou oferecendo-lhes os direitos de autor em Itália do seu livro “O ano de 1993”. A 24ª edição do Festival Sete Sóis Sete Luas, que atualmente se estende a 30 cidades e 11 países do Mediterrâneo e do norte de África, vai estar presente, entre 24 de junho e 9 de setembro, nos municípios como Ponte de Sor, Alfândega da Fé, Oeiras, Odemira e Castro Verde, com concertos, teatro, dança e degustações. Aqui, a “passarola”, uma máquina voadora inventada pelas personagens que emprestam nome ao evento, é o símbolo desta diluição de fronteiras através da Cultura.

A cidade alentejana de Ponte de Sor, no distrito de Portalegre, é o centro cultural português do festival internacional, dirigido pela Fundação José Saramago, que promove o intercâmbio cultural entre países e defende a mobilidade de artistas por esta rede, privilegiando as periferias em detrimento de grandes centros urbanos. Presente, este ano, em países como Espanha, França, Itália, Brasil e Cabo Verde.

Os outros centros culturais do festival que organizam exposições e laboratórios de criatividade e gastronomia e degustações, e estão localizados em Frontignan (França), Pontedera (Itália), e Ribeira Grande (Cabo Verde). O último, inaugurado em janeiro deste ano, foi construído com os 50 mil euros do prémio Caja Granada, atribuído ao festival em 2009.

Além da nova aposta na formação, a internacionalização dos artistas portugueses, que conta com o apoio do Instituto Camões, é um dos objetivos do festival, que este ano apresenta um concerto de Cuca Roseta, no dia 22 de julho, em Pontedera, Itália. A Luasiberica Orkestra, formada na edição anterior, funde as sonoridades de Andaluzia, Brasil, Itália e Portugal e vai este ano viajar a vários países do universo Sete Sóis Sete Luas.

Com a preocupação de fazer chegar música de qualidade às populações, a programação do festival oferece uma panóplia de géneros e sonoridades, como a guitarra de world music de Manecas Costa, da Guiné-Bissau, indicado aos Grammy em 2009, os Tribali Music, um grupo de Malta que toca com instrumentos do Nepal e da Índia, e os Rhymes Des 7Lunes, cinco músicos de Cabo Verde, Israel, Itália, Marrocos e Portugal, coordenados por José Peixoto, ex-membro dos Madredeus. Com lugar, também, para a companhia de circo L’Ptits Bras, o teatro de Markeliñe e a exposição de arte urbana de Alicé e Zed1." 

sábado, 25 de junho de 2016

"Sou um grito de dor e indignação" Pilar del Río entrevista José Saramago - Revista "Blimunda" #49 (Junho de 2016)


A entrevista pode ser recuperada e descarregada gratuitamente, aqui
em http://www.josesaramago.org/blimunda-49-junho-2016/

"No dia em que completou 78 anos apareceu em todos os países em língua portuguesa A Caverna, o último romance, até agora, de José Saramago - o primeiro que publica depois da atribuição do Prémio Nobel de Literatura. Essa noite, em Lisboa, jantando com amigos de toda a vida, exalava o antigo orgulho do camponês que olha a sua colheita e o vê crescer alegre e solta. Mas em nenhum momento baixou a guarda: do seu avô Jerónimo, o homem mais Sábio que conheceu, como afirmou no discurso diante da Academia sueca, aprendeu que é necessário mimar a terra, que as plantas e os homens exigem cuidados e atenções, que viver em harmonia com o mundo criado é a maior aspiração e o esforço quotidiano mais admirável. A partir dessa posição vai Saramago escrevendo os seus livros, Falando com os seus leitores, intervindo aqui e ali e construindo sua vida. Levantada do chão. A entrevista realizou-se em Lanzarote, no último Natal do século XX. O escritor é entrevistado pela jornalista, sem ter em conta a relação afetiva; por isso se tratam por você. Na casa há um ir e vir de família e de idiomas, de pessoas e de cães, de cumprimentos. A campainha da porta compete com os telefones paro ver quem toca mais. No escritório, onde se chega através de uma escada estreita, Saramago consegue isolar-se da confusão e aproveita as duas semanas que medeiam o périplo de apresentações da edição portuguesa em Portugal, An-gola, Moçambique e Brasil, e o lançamento em Espanha e Américo Latina, para escrever cartas, responder a entrevistas e descansar. É incrível, mas consegue. 

Como se sente depois de ter apresentado o livro em capitais e aldeias de três continentes? 
Muito cansado. Foram 45 dias de viagens, conferências, entrevistas, apertos de mãos, abraços, tudo muito agradável e gratificante, mas à custa de um esforço físico e psíquico arrasador.

Em todo caso, é preciso boa saúde para aguentar o ritmo que leva. 
Até agora, a saúde tem sido um muro sem brechas. Às vezes perguntam-me como consigo aguentar e só tenho uma resposta: «Não sei». 

Falamos do seu novo livro, desta caverna onde parece que estamos instalados. 
Falamos. Mas não gostaria que as minhas ideias sobre o romance se impusessem às que o leitor terá por sua conta. Ser autor não significa ser autoridade e, muito menos, ser autoritário. Se as únicas ideias que um livro pudesse gerar fossem as que o próprio autor tem dele, esse livro seria bem pobre... 

Um parêntesis, antes de começar com o romance. Vive numa ilha, que parece que é o paradigma do melhor, é feliz, faz o trabalho que quer. Como lhe vem à cabeça a ideia de que todos estamos fechados numa caverna? 
A minha felicidade não é mais que uma pequena ilha no mundo, mas as janelas da minha casa estão abertas para esse mundo e não gosto do que vejo. Por isso escrevi o Ensaio sobre a Cegueira, Todos os Nomes e agora A Caverna, por isso toda a minha obra pode ser entendida como uma reflexão sobre o erro.  

Sobre o erro? 
Sim, sobre o erro como verdade instalada e por isso suspeita, sobre o erro como deturpação intencional de factos, sobre o erro como ilusão dos sentidos e da mente, mas também sobre o erro como ponto necessário para chegar ao conhecimento. 

E se levamos a caverna ou o erro na cabeça, e por isso nos custa tanto discernir o que se nos impõe como verdade oficial? 
Levamos tudo dentro da cabeça. Fora da nossa cabeça não sabemos o que há verdadeiramente. Cada ser vivo, desde o mais elementar ao mais complexo, percebe que algo o rodeia, mas essa percepção não é a mesma em todos. O simples olhar deu-nos nos passado uma certa imagem do mundo, mas o microscópio demonstrou que essa imagem não era mais que uma aparência. Acrescente-se a isto as abstracções que inevitavelmente modificam as imagens mentais que vamos formando sobre o mundo, e diga-me se é possível ter apenas certezas sobre a real realidade do que nos é externo. Uma dessas abstracções é Deus. Depois de criar dentro da nossa cabeça uma ideia de Deus, acabamos, paradoxalmente, fazendo dele nosso criador, criador do próprio ser que o criou. Ou seja, criamos Deus e logo acreditamos que foi ele que nos criou... Também criamos essa outra abstracção a que chamamos diabo e acusamo-lo de ser culpado das nossas próprias maldades... Quer maior absurdo? 

Não, mas é um absurdo que serve para ir andando pela vida. 
A mim parece-me uma brincadeira de mau gosto. Não tem sentido que precisemos de nos enganar para vivermos. 

As personagens de A Caverna rebelam-se. É necessária rebeldia para sair da caverna? 
A Caverna é uma história de perdedores cuja única vitória consiste em que não se entregam ao triunfador. É a rebelião possível mas sem ela não poderá haver outra. A derrota definitiva seria a submissão, e ainda assim não devemos esquecer que as gerações se sucedem, mas não se repetem. Assim como de insubmissos podem nascer submissos, também dos que se submeteram poderão nascer os que se revelarão. 

Neste romance introduzem-se dois elementos novos na sua obra: a família e a ternura. Crê que estes conceitos são importantes para que algo se modifique para melhor? 
Não tenho ilusões sobre a família como instituição. A família é lugar de crimes, traições e vilanias, tanto como qualquer outro grupo humano. Mas continuo a acreditar no poder regenerador da bondade pessoal e da ternu-ra. A casualidade quis que em A Caverna se reunissem quatro pessoas boas e um cão não menos bom, ainda que a realidade, sabemo-lo por experiência, demasiadas vezes seja diferente. 

Há uns meses em Santander disse que «quanto mais velho mais sábio, quanto mais sábio, mais radical». Não foi só uma frase de efeito... 
Não me lembro se a frase dita em Santander era exactamente assim. Seja como for, parece-me que fica mais clara a ideia se digo que quanto mais velho me vejo, mais livre me sinto e mais radicalmente me expresso. Não se trata de uma frase de efeito, é uma verificação de todos os dias. As palavras que com mais frequência me digo são estas: «Não te permitas nunca seres menos do que és». 

Sente-se velho com 78 anos? 
Por muitas voltas que se dê ao assunto, uma pessoa com 78 anos será sempre um velho porque está na idade que definimos como velhice. Não vale a pena estar com estúpidos eufemismos que no fundo não enganam ninguém, como esse da «terceira idade». Mas ser velho não é nem um estigma nem uma vergonha, e muito menos se o corpo e a mente continuam a funcionar de maneira satisfatória. Verdi escreveu o seu Falstaff aos 80 anos. Deveria pedir desculpas pelo facto de, sendo velho, ter escrito uma obra-prima? 

É um homem vaidoso, sedutor? 
Gosto de me ver bem, nada mais. No que respeita às gravatas, por exemplo, sou implacável... 

E um sedutor. Essa capacidade de sedução é natural ou é trabalhada? 
Não creio que seja um sedutor. Limito-me a mostrar-me aos outros exactamente como sou. Se com isso se sentem seduzidos, melhor para mim, porque não estive a enganar ninguém. Tenho debilidades e defeitos como todo o mundo, mas tenho também uma qualidade essencial, a de respeitar o outro como pessoa que é. Talvez aí esteja o segredo. 

Você enamora homens e mulheres, pessoas em particular e auditórios inteiros. Essa capacidade de embelezamento tem de dever-se a algo mais do que o respeito pelo outro. 
Mas é basicamente isso. E simplicidade e sinceridade, e mão esquerda e mão direita, ambas oferecidas e abertas. 

Na sua idade, como fala do amor? 
Há umas quantas coisas que me mantêm de pé, uma delas é o amor. 

Haverá quem pense que se está a gabar, que o amor é coisa de jovens, que na sua idade só resta a resignação e tudo o mais é lembrança. 
A velhice de quem pensa assim começa aos 30 anos... Esses são os que se resignaram e cansaram aos primeiros passos. Começa-se com a impotência do sentimento e acaba-se na outra... 





Ainda que não acredite em Deus, você é crente. Apesar do seu alardeado pessimismo, acredita na vontade humana como factor de mudança. Não conheço ninguém mais tenaz nessa convicção. 
Acredito na vontade humana, sim, mas não deixo de exigir que sirva e defenda a vida, em vez de a ofender e humilhar. 

E o que pode esperar da vida, se parece que já tem tudo? 
Que o que me resta de vida não seja indigno de como vivi até agora. Se tiver de perder algo, que seja só dinheiro. 

Quando era pequeno e brincava sozinho nos canaviais de Azinhaga e no rio Almonda pensava na literatura? Sonhava em ser escritor? 
Quando brincava nos canaviais, brincava nos canaviais. Tive a sorte de não ser um menino-prodígio, os meninos-prodígio são como pequenos «monstros» insuportáveis... Em casa dos meus avós, camponeses pobres, ou em Lisboa, vivendo com os meus pais em casas alugadas, como ia pensar em literatura?

Mas algum sonho teria. 
Não tive sonhos nem ambições que valha a pena recordar, salvo, algumas vezes, imaginar-me como maquinista de comboios. Exaltava-me a ideia de ser responsável pelas vidas que transportava. 

Esse sentimento de responsabilidade sobre outras pessoas, poderia ser uma expressão de liderança? 
Não sei. De psicologia, ou melhor, de interpretações psicanalíticas, não percebo nada. Para além disso, nunca gostei dos líderes. O maquinista leva o comboio para a estação e não espera aplausos. 

Quando era mecânico, ou depois funcionário administrativo e passava pelos cafés onde se reuniam os escritores portugueses, que sentia? 
Quando era mecânico o itinerário que me levava até à oficina não passava pelos cafés. E depois, quando me tornei funcionário administrativo, não tinha dinheiro para os frequentar. O meu reino não era daquele mundo... 

Quis aproximar-se deles alguma vez? 
Nunca fiz nenhuma tentativa para me aproximar. Quando um amigo me introduziu numa tertúlia, comecei por contentar-me com o papel de ouvinte. Tardei em dar sinal da minha presença. Mas aprendi muito a ouvir. 

Você é comunista e já o era antes da Revolução de Abril. Teve problemas com a censura de Salazar? Não como escritor, já que a minha actividade literária era incipiente então. Mas tive-os, e muitos, no período em que fui jornalista. Quase não havia um dia em que não tivesse de ir discutir com os «coronéis» do lápis azul... Eram uns pobres idiotas, às vezes nem se davam conta do que tinham diante do nariz. Houve uma revista que publicou uma série de artigos sobre o Marxismo, sem usar nunca esta palavra, e passaram. Nem sequer entenderam que o Carlos Marques de que falavam era Karl Marx... 

Falemos da sua participação na luta política de então. 
Não há muito a dizer. Cumpri as tarefas de que me encarregaram. Colaborei, sem dramatismos nem heroicidades, para enterrar um regime corrupto. Não creio ter defraudado os que confiavam em mim e na minha participação. 

Mas, sim, teve problemas quando o seu país já vivia em democracia. E por isso vive em Lanzarote. Sob pretexto de que o livro ofendia a crença católica, o governo «social-democrata» de Cavaco Silva proibiu que O Evangelho segundo Jesus Casto concorresse, tal como havia decidido um júri independente, e sem intervenção da minha parte, ao Prémio Literário europeu. O meu protesto foi emigrar. 

Mas ao fim de alguns anos descobriu que também em Lanzarote existe o mesmo, que a ambição e o racismo fazem ninho em qualquer lugar. 
Numa manifestação racista em Las Palmas houve uma palavra de ordem miserável, como outras que eram ditas: «Saramago, vai-te daqui!». E em Lanzarote choveram insultos contra mim. Mas não lhes vou dar esse gosto. Quero esta terra como quero a minha aldeia natal e defendê-la-ei contra quem tente fazer dela um lugar de exclusão e exploração dos que vêm à procura de um prato de comida. 

Acredita que estamos liquidados, que se a história não acabou terão acabado os grandes movimentos libertadores, que três quartos da humanidade estão condenados à miséria? 
Nem a história chegou ao seu fim, nem acabaram as revoluções. O meu optimismo contenta-se com estas certezas. O resto são dúvidas. Como? Quando? Onde? Isso não sei, mas acontecerá. 

Vai a Chiapas, no México. Ou a Timor. Ou a Moçambique. Acaba de visitar os presos de La Tablada, esses jovens que assaltaram um quartel na Argentina acreditando que se preparava um golpe de estado, e que levam anos de prisão e mais de cem dias em greve de fome exigindo um julgamento justo. Conhece as feridas do mundo e no entanto continua inteiro. 
Aparentemente sim, estou inteiro. Mas quem me conhece bem sabe que sangro por dentro. Todos os dias, todas as horas. Sou, em carne e em espírito, um grito de dor e indignação. Se parece que há demasiada retórica no que acabo de dizer, recordo que a pior retórica é a dos actos, não a das palavras. E também recordo que os presos de La Tablada continuam em greve de fome e o Governo argentino não ouve as recomendações dos tribunais internacionais, que pedem que se repita o julgamento. 

E o que fazer com o conflito basco? 
Enquanto a ETA não deixar de matar, a situação estará encalhada, não vejo saída. Deixar de matar é a condição essencial para que se possa iniciar o diálogo que conduza à paz, à solução do problema basco, que não é, precisamente, o da bandidagem. O gangsterismo é um terrível acrescento que tanto os bascos como o resto de Espanha queremos que acabe. 

Sei que cada dia lhe custa mais falar de literatura, que prefere falar, por exemplo, de direitos e de deveres humanos. Porque não escreve a Carta dos Deveres Humanos? 
Depois de milénios de civilizações e culturas, os deveres humanos encontram-se inscritos nas consciências, inclusive quando aparentamos ignorá-los ou desprezá-los. Não há que escrever uma Carta dos Deveres Humanos, há que apelar às consciências livres para que a manifestem e a assumam. 

Sabe que alguns o criticaram por ter estragado o banquete do Nobel falando do incumprimento universal dos Direitos Humanos? 
Poucas coisas na vida me deram tanta satisfação como ter estilhaçado o espelho lisonjeiro e tranquilizador em que muitas daquelas pessoas se contemplavam. Sabe quais foram as palavras da Rainha da Suécia quando regressei ao meu lugar, à sua direita, depois do discurso? Foram estas: «Alguém tinha de dizê-lo.» E ela não foi certamente a única a pensá-lo. 

O que pensa que pesa mais, ter recebido o Nobel ou não o ter recebido e ansiar por ele? 
Passar a vida a pensar no Nobel deve ser uma doença. Por essa razão, para além de todas as outras, o melhor é recebê-lo... 

Dizem que o Nobel acarreta uma maldição e que muitos escritores não conseguem escrever depois de o receber. Você rompeu a maldição. 
Não fui o primeiro, nem serei o último. Pode ter acontecido, isso sim, que alguns escritores a quem foi concedido o Nobel não tenham voltado a publicar por considerarem que a sua obra já estava concluída. Dessa decisão são eles os juízes, e há que respeitá-la. 

A quem recomenda a leitura de A Caverna? 
A quem nela não queira entrar, a quem se sinta tentado a entrar, a quem já esteja dentro. Que não leia A Caverna quem considere que não está em nenhuma destas situações... 

Coloque um ponto final nesta entrevista. 
A nossa entrevista não acaba aqui, portanto, nem ponto, nem final. 



quarta-feira, 22 de junho de 2016

"Entra na “casa cheia de livros” de Saramago em Lanzarote" - Artigo via idealista.pt

O artigo "Entra na “casa cheia de livros” de Saramago em Lanzarote", publicado no site "id idealista", pode ser recuperado e consultado aqui, 


Fonte das fotografias publicadas, via www.acasajosesaramago.com

"José Saramago, que recebeu o Prémio Nobel da Literatura em 1998, faleceu há já seis anos (dia 18 de junho de 2010). Nos últimos anos da sua vida – desde 1993 – viveu numa vivenda na ilha de Lanzarote, no arquipélago das Canárias (Espanha), com a mulher, a espanhola Pilar del Río. Saramago definiu o imóvel como “uma casa cheia de livros”.

“Construída de raiz para as necessidades de duas famílias, a Saramago-Del Río por um lado, por outro a Pérez-Fígares-Del Río, cúmplices no projeto arquitetónico e na vida. Assim, cruzado o portão de entrada, um pequeno pátio dá acesso às duas vivendas e às zonas comuns. Defronte está a porta da casa de José Saramago”, lê-se no site A Casa José Saramago.

Esta é a “casa cheia de livros” do escritor português na ilha espanhola."
Publicado a 21/06/2016





 







Crónica "Ter pouco e desbaratar" (02/06/72) - "As opiniões que o DL teve"

Crónica "Ter pouco e desbaratar" publicada no "Diário de Lisboa", sobre a preservação e defesa do património cultural nas suas diversas vertentes, quer seja ao nível dos monumentos, como também no aspecto do acervo bibliográfico dos escritores.
Na leitura das crónicas, "está lá tudo".
Rui Santos

"Ter pouco e desbaratar"

"Por muito que à nossa vaidade patriótica custe reconhecê-lo, não somos um país abundoso de obras de arte. Temos um clima que guarda entre os excessos uma benigna constância, esta paisagem feminina, macia - mas, salvo as consabidas e por vezes valiosíssimas exceções, não soubemos edificar neste habitat uma estrutura plástica homogénea e numerosa. Ao longo da História, poucos foram os centros culturais duradouros, ou, quando existentes, estiveram muito mais voltados para as severidades e securas de uma religião inimiga dos gozos do mundo, do que para o culto sensual da arte, prazer das mãos e dos olhos. As guerras, os incêndios, os terramotos, destruíram ou danificaram irremediavelmente muito do pouco que se criou. Hoje, encontramo-nos na modesta situação dos remediados que se limitam a defender, melhor ou pior, o que possuem. Mesmo isto, porém, é duvidoso. Estarão convenientemente protegidos os grandes monumentos, as grandes obras de arte (em relação à sua segurança, nem sempre), mas o mesmo não se poderá dizer da pequena obra, da escultura maneirinha, do azulejo anónimo, da pintura de mestre secundário, que alargam sobre o País uma rede mediana, mas preciosa. O inventário desta riqueza de pobre está incompleto. Acresce que o dispositivo legal de proteção se mostra, em muitos casos, incapaz de penetrar e vencer as barreiras do interesse particular quando não é de todo inadequado por revelarem de foro privilegiado as obras em causa. Multiplicam-se os casos de igrejas despojadas do seu acervo artístico, substituído por exemplares de uma arte religiosa convencional, mais interessada em representações sentimentalistas do que em expressões de arte autêntica. Esculturas de antigos canteiros, talvez inábeis, mas dotados de um génio popular merecedor de toda a atenção, cedem o seu lugar nos nichos ou nos altares a banais figuras, talvez canonicamente respeitáveis, mas artisticamente nulas. Há também o que se vai encontrando no chão, ao acaso de escavações ou segundo planos conscientes: pequenas ruínas, mosaicos romanos, vestígios de um passado anterior. Quando tais descobertas se fazem, não é raro embandeirarmos em arco: sobe-nos o acontecimento à cabeça e pouco falta para nos considerarmos mais ricos do que ninguém. Mas o tempo passa, rapidamente a emoção ao rés do quotidiano, e o achado lá fica, exposto ao tempo (que para as obras de arte nunca é benigno), exposto quantas vezes aos atentados, às depredações, às violências, aos roubos. Então levantam-se umas vozes tímidas, uns protestos desanimados, logo abafados no grande alheamento geral. E o empobrecimento continua. Não é diferente o que se passa no campo do nosso espólio bibliográfico. Temos sido grandes fornecedores de bibliotecas colecionadores estrangeiros que dispõem de fartos orçamentos e não discutem preços, em chocante contraste com a penúria de meios ou a estreiteza de vistas de algumas autoridades nacionais. E assim, rapidamente, mudam de proprietário tesouros bibliográficos que teríamos o rigoroso dever de guardar, para honra de quem os escreveu e de quem tinha sabido defendê-los até estes mal-agradecidos dias de hoje. 
Tem-se falado muito, ultimamente, de responsabilidades. Ora, neste como em tantos outros setores, conviria que tal palavra assumisse o seu verdadeiro sentido e se tornasse, assim, mais do que um simples jogo de sons, norma de comportamento e exigência." 

in "As opiniões que o DL teve"
05/06/1972

(NR: Bold meu)

segunda-feira, 20 de junho de 2016

"José e Pilar" Fragmentos I - Exibido na Fundação José Saramago "18 de junho, 6 anos vivendo José Saramago"

Pode ser visualizado através do YouTUbe, aqui

"Seis anos depois da morte de José Saramago, apresentamos o primeiro volume de Fragmentos de «José e Pilar», um conjunto de inéditos das 240 horas de filmagem captadas pela equipa do realizador Miguel Gonçalves Mendes."

Já disponível a edição #49 da revista digital "Blimunda" - Para descarregar, ler e consultar gratuitamente

Capa da edição #49 - Junho de 2016

Pode ser descarregada aqui, via página da Fundação José Saramago,

Sinopse da edição
"Há quatro anos, numa tentativa de preencher um pouco o enorme vazio deixado pela ausência de José Saramago, nasceu a revista Blimunda. Desde aquele 18 de junho de 2012, oferecemos mensalmente aos nossos leitores uma publicação que tem os livros como protagonistas, mas que também dá destaque a muitos outros assuntos que envolvem a cultura, não só em Portugal mas também em muitos outros países.

Nos 49 números já editados, a revista viajou para lugares como Bogotá, Macau, Xalapa, Barcelona, Madrid, Segóvia, Lanzarote, Ponta Delgada e Cidade do México. Abordou assuntos tão diversos como música, futebol, dança, fotografia, artes plásticas, exposições, viagens, cinema. Nas suas páginas dedicou-se espaço a grandes nomes da literatura universal como Carlos Fuentes, Gabriel García Márquez, Julio Cortázar, Jorge Amado, Clarice Lispector, Günter Grass, Herberto Helder, Eduardo Galeano, Miguel de Cervantes, Fernando Pessoa, Alberto Manguel, Mempo Giardinelli, Sophia de Mello Breyner e Agustina Bessa Luís. As novas gerações tiveram lugar de destaque ao longo destes quatro anos. Entre muitas e muitos outros, tivemos connosco Bruno Vieira Amaral, Matilde Campilho, Juan Gabriel Vásquez, Andrea del Fuego, Ricardo Araújo Pereira, Valter Hugo Mãe, Afonso Cruz, Julián Fuks, Ondjaki e Sérgio Rodrigues. A Blimunda foi também espaço para conversas com fotógrafos, editores, realizadores, ilustradores, críticos literários, investigadores e personalidades das mais variadas áreas numa perspetiva de construção de um mosaico da cultura do passado e do presente.

Desde o número 1 a revista reserva uma secção especial, a Saramaguiana, ao escritor que, entre tantas outras personagens, criou a protagonista de Memorial do Convento. Blimunda, a valente e encantadora mulher que colecionava vontades e via o interior das pessoas, tornou-se também revista.

Nesta edição comemorativa, que chega no dia em que passam seis anos sobre a morte de José Saramago, publica-se uma entrevista, inédita em português, que Pilar del Río, companheira e tradutora de José Saramago, fez ao escritor no ano 2000, e também o artigo José Saramago, editor de Raul Brandão?, de Vasco Rosa. Do Brasil a revista traz ilustrações de Sama e outros artistas que se posicionam contra a destituição da presidenta Dilma Rousseff e contrários ao governo de Michel Temer. A também brasileira Marina Colasanti conversa com a Blimunda sobre a sua longa e destacada trajectória pelo universo do livro infantil. A Blimunda visitou ainda a biblioteca de Laborinho Lúcio e o escritório da editora D. Quixote. A escritora Andréa Zamorano publica um conto breve na secção A Casa de Andréa.

Quatro anos depois, a revista Blimunda continua viva e com projectos para o futuro. Aos que a fazem todos os meses (Andreia Brites, Ricardo Viel, Sara Figueiredo Costa, Jorge Silva, Silvadesigners) e a todos os que connosco têm colaborado, os nossos parabéns e o nosso obrigado!"

O editorial da edição de 4 anos da Blimunda

domingo, 19 de junho de 2016

Momentos da homenagem "18 de junho, 6 anos vivendo José Saramago"


Aline Frazão interpreta música do seu álbum "Insular"
"O homem que queria um barco", baseado na obra de José Saramago "Conto da Ilha Desconhecida"

Pode ser visualizado, via YouTube, aqui

Presidenta Pilar del Río, apresentou em castelhano extracto de um 
capítulo inédito da obra "Jangada de Pedra", que faz parte da edição espanhola

Pedro Lamares, deu voz à "Jangada de Pedra"

Apresentação de imagens inéditas do filme documentário "José e Pilar"

A Oliveira que nos acolhe à chegada da Fundação José Saramago
"Casa dos Bicos" em Lisboa

"Nos seis anos da partida de José Saramago" do professor Carlos Reis

O presente texto, pode ser recuperado e consultado, através do site "Figuras da Ficção" do professor Carlos Reis, aqui
em https://figurasdaficcao.wordpress.com/2016/06/18/a-personagem-segundo-saramago/
Palavras proferidas no elogio fúnebre (20/06/2010) 

"Nos seis anos da partida de José Saramago" - Professor Carlos Reis

"Das personagens de José Saramago, magistral inventor de ficções que ecoam no quotidiano palpável das nossas vidas, bem podemos dizer que são mestres do escritor e nossos mestres, sempre que nas suas ações, nos seus rostos e nas suas palavras reencontramos a sabedoria de homens e de mulheres legitimados pela  autonomia e pela incondicional possibilidade que a  ficção lhes confere; homens e mulheres chamados Baltasar e Blimunda, Ricardo Reis e Bartolomeu Lourenço, Raimundo Silva e José,  Maria Sara e Oriana, Lídia e Maria de Magdala, Joana Carda e Cipriano Algor,  o elefante Salomão e o seu cornaca, Tertuliano Máximo Afonso e António Claro,  sua cópia exata e duplicada – ou vice-versa.   E mesmo quando o nome não está lá – como em Ensaio sobre a Cegueira e em Ensaio sobre a Lucidez – é a sua omissão, como falso anonimato,  que alegoricamente projeta  os homens e as mulheres da  ficção sobre o mundo real em que revemos dramas e conflitos ficcionais identificados como  nossos e porventura com os nossos nomes.  Citando um título conhecido: identificados com Todos os Nomes que no nosso mundo se encontram; ou ainda, lembrando palavras do escritor, no discurso de Estocolmo: “Não escritos, todos os nossos nomes estão lá.”  
José Santa-Bárbara, "Os fazedores do capricho"

São estas figuras e outras mais (sem esquecer um cão chamado Constante), com nome inscrito ou sem ele, que nos provocam  (provocare: chamar para fora),  ao mesmo tempo que nos  propõem sentidos que os transcendem e que nos transcendem, sob o signo do poder subversivo da linguagem. É esse poder que José Saramago invoca, quando um  minúsculo e redondo vocábulo – um simples não – suscita a  reconstrução histórica  de um universo afinal fragilizado por esse poder subversivo; e é ainda em clave de subversão que o romancista enuncia a alegoria da fratura e da deriva, engenhosa indagação ficcional do destino ibérico; ou a metáfora do regresso e do reencontro com a pátria, sentidos camonianos mas também, à sua maneira,  pessoanos; ou a imagem do coletivo e do seu poder redentor, no termo de  um processo histórico  que conduz à libertação dos levantados do chão; ou a imagem da construção e a sugestão ascensional que a confirma, quando se ergue  o convento que a vontade real idealizara, ao mesmo tempo que a passarola voa; ou a representação da cegueira coletiva em que se surpreende uma condição humana degradada na repulsiva violência do seu egoísmo. Isso tudo e também o árduo trajeto da existência humana, a dissolução da identidade, a contestação da ortodoxia religiosa, a celebração da rebeldia, a revisão da palavra bíblica, a questionação da culpa ou a  denúncia da arbitrariedade divina."
(Extrato do elogio fúnebre; Lisboa, 20 de junho de 2010)

O
Post do Facebook, 18/06/2016

sábado, 18 de junho de 2016

Filme documentário "Um humanista por acaso escritor" está hoje disponível on-line

Pode ser visualizado aqui via página do Facebook "Um humanista por acaso escritor", 
em https://www.facebook.com/umhumanistaporacasoescritor/?fref=nf



"Para lembrar os seis anos de morte do escritor José Saramago, ao longo das próximas 24 horas, você poderá assistir, curtir, compartilhar, comentar, chorar, alegrar, sentir, enfim, viver um pouco do que foi produzir e ficar por perto desses entrevistados que fizeram tudo isso ser possível. Um humanista por acaso escritor - que trata do lado humanista do português prêmio Nobel de literatura - está no ar!"

Link do vídeo, aqui


"6 anos sem José Saramago com o escritor presente, revisitando da sua obra" Texto enviado ao jornal Expresso para publicação na secção "Cartas"

Para o Expresso remeto esta carta e peço publicação

6 anos sem José Saramago com o escritor presente, revisitando da sua obra

Fará dia 18 de Junho seis anos em que se assinala a data da morte de José Saramago. Escritor genial e humanista sempre agitador da consciência mundial, criador de um estilo literário inconfundível que deixou marca na história de literatura escrita em língua portuguesa. 

Não é possível dissociar o criador de Blimunda e Baltasar (Memorial do Convento), da Mulher do Médico e do Cão das Lágrimas (Ensaio sobre a Cegueira), da família Mau-Tempo (Levantado do Chão) - entre tantas outras personagens -, do seu sentido de denunciador e activista social em diversas partes do mundo onde os direitos humanos e do meio ambiente estavam a ser atacados, e que ainda hoje se manifestam sob agressão constante. Assim foi, por exemplo conjuntamente com o fotógrafo Sebastião Salgado na defesa da causa do Movimento Sem Terra, na sua voz apelando à libertação do povo palestiniano ou no apoio à luta da activista Aminatou Haidar pela causa Saharaui.

Passam seis anos, e José Saramago é uma das principais figuras portuguesas que interessa fazer esquecer por parte das “cúpulas institucionais”; por ser incómodo nas verdades cruas e expostas nas suas metáforas que se perpetuam em centenas de reedições das suas obras por todo o mundo e em todas as línguas, e também porque foi (é) brilhante e genial na forma como investido de escritor não se demitiu de ser um valoroso agente de desassossego. 

Vivemos mergulhados num autêntico "Ensaio sobre a Cegueira", que se repete no "Ensaio sobre a Lucidez" a que muitos apetece partir numa "Jangada de Pedra", ou seguir na rota da "Viagem do Elefante", porque as coisas que vivemos não são "Deste Mundo e do Outro".
Quando chegará de novo "A Noite" para que "Os Poemas Possíveis" possam ser de novo musicados?
Às vezes, sinto-me acabado de ser "Levantado do Chão", extenuado depois de uma "Viagem a Portugal", onde "Os Apontamentos" recolhidos são peças soltas de uma passarola construída por um padre alucinado que vive num suposto estado de "Provavelmente Alegria".
"O Ano da Morte de Ricardo Reis" em que este, sendo "O Homem Duplicado" de Pessoa, viveu nas suas "Pequenas Memórias" as "Intermitências da Morte", dentro de uma obscura "Caverna" em que este país se tornou, desde a famosa "História do Cerco de Lisboa".
Os censores andam aí, com a cara destapada ou com uma simples capa vestida, gritam e bramem aos céus "In Nomine Dei", "In Nomine Dei"!!! Também estes, em busca de outra interpretação do "Evangelho Segundo Jesus Cristo" já estão alertados porque "Caim" foi marcado para sempre, e não dará outra oportunidade à "Segunda Vida de Francisco de Assis".
Nesta "Terra do Pecado", onde falta a bondade ao homem, procuramos uma nova luz de esperança e que essa possa chegar sob o signo da "Maior Flor do Mundo". "Que Farei com este Livro", onde constam todas as evangélicas atrocidades cometidas em nome de deuses, por homens raivosos cegos de razão, esses a quem lhes faltou sempre um "Manual de Pintura e Caligrafia" com os nobres valores inscritos para a humanidade.

Rui Mesquita dos Santos
(05/06/2016)

sexta-feira, 17 de junho de 2016

Novas aquisições - Recuperação de revistas fora de circulação


"LER Livros & Leitores" - Inverno de 1999 / #44 - "As notas escritas de José Saramago)
"LER Livros & Leitores" - Novembro de 2008 / #74 - Sobre a "Viagem do Elefante"
"o escritor" da APE - Dezembro de 1998 / #11/12


"Un Cuento para José" de Joan Morales Alcudia


Quando se assinalam os 6 anos da morte de José Saramago, recupero o conto da autoria de Joan Morales Alcudia, (Barcelona, Espanha), intitulado "Un Cuento para José" (2015).
O autor reconhecido estudioso da obra de José Saramago, tem publicado diversas matérias, nomeadamente o livro "Saramago por José Saramago", da Editorial El Páramo (2013).
Mais informação sobre o autor, aqui

Joan Morales Alcudia e José Saramago (Universidad Menéndez Pelayo, Agosto 2000)

"Un Cuento para José" 
Pode ser descarregado aqui, 

A José y Pilar, por regalarme su tiempo

"La vida, esa misma vida que había creado el Universo junto a Siete lunas y a Cuatro soles para que brillasen eternamente, hizo que en aquella radiante tarde del mes de junio, ambos anduviesen enredados en una misma nube. El cielo, que jamás había asistido a un espectáculo tan extraordinario, contemplaba para entonces los rostros de ambos planetas tomando sin proponérselo lo más invisible y bello. El crepúsculo- si es que realmente todavía se le podía continuar llamando de ese modo - dibujaba sus últimas pinceladas tiñendo de rojo los paisajes.

El sol que se ha unido con su luna, la luna que se ha unido con su sol; amándose, sintiendo el frío, el calor, el miedo, la duda, la sombra de la expectativa- la del uno, la del otro, la del otro con la de la una, la de la una con la del otro- aturdidos en el asombro más efímero y cotidiano ¡cuán idénticos no eran ambos en sus respectivas incertidumbres!

“No tengo palabras”- le había dicho momentos antes Siete lunas: “No necesito de tus palabras, me basta con tu presencia”- le había respondido Cuatro soles: “Siento frío, abrázame: tengo miedo, mucho miedo. Haz que tus rayos aniquilen mis temores”. “Sabes bien que no puedo hacerlo”- dijo él.
“¿Entonces?”. “No tengo respuestas… acaso sólo tenga que preguntas”. “Entonces, ofréceme todos tus interrogantes, Cuatro soles” - le pidió Siete lunas. “Está bien: sabes lo mucho que te necesito…pero no tengo certezas. Desconozco hasta qué punto convergerán nuestras órbitas, nuestras trayectorias, nuestros destinos- si prefieres tal palabra-, pero, acaso y, a pesar de todo: ¿no crees que sería muy hermoso si nos dejásemos llevar? ¿No crees que sería muy bonito tratar de aprender a convivir con la incertidumbre aceptando que hay un riesgo? Por lo que a mí respecta, sabes bien que no me faltará jamás ilusión para ello… ni paciencia, como que tampoco” - añadió Cuatro soles en un último destello.

Siete lunas se aproximó a uno de sus rayos. Callada, en silencio. Contemplaba un gran vacío desde el agujero más profundo del firmamento - o, al menos, eso le pareció a Siete lunas. Sus ojos, los de él, desarbolados, definitivamente ahogados en la presencia de Siete lunas, reclamaban cuanto antes la necesidad de una brasa de oscuridad para difuminar sus temores tanto o más que ella necesitaba de todas y cada una de sus confirmaciones para disipar definitivamente su particular ramillete de angustias- o tal vez fuese lo mismo planteándolo al revés. Él ¡la quería tanto! “No sabes lo duro que resulta querer dar lo mejor de ti y no tener una luna con la que compartirlo: Es…es… horroroso… ¡horroroso!”- dijo Cuatro soles apagando las palabras: “Te quiero, Siete lunas: te quiero muchísimo”. “No digas eso, Cuatro soles: Tengo miedo, miedo de no cubrir tus expectativas” “¿Y quién no lo tiene viviendo en el Universo?- le respondió él. “No sabes lo que me alegra” “Lo sé: me basta con asomarme a los luceros que contemplas cada noche”. Un mar de zafiros blancos enlazaba ya sus órbitas.

“No hace falta que sigas regalándome más palabras ¡no te imaginas cómo me gustaría saber utilizar las mías con tanta profundidad!”- le confesó ella: “Ssshh, calla, calla… no sigas…por favor, no sigas… No digas nada: tu silencio es un bien igual de valioso”- dijo él, para añadir: “ me basta con saberte cerca de mí, con sentir el latir de tu corazón, la franqueza de tu sonrisa, esa nobleza tan hermosa, la luz de tu pelo alborotado”

“¡Para, para! vas a hacer que me ruborice”- replicó Siete lunas. “Acércate, quiero sentir tu frío; esa luz que yo no tengo”- le respondió Cuatro soles. “Tengo miedo a defraudarte, Cuatro soles; mucho miedo” “No temas, acércate: te necesito para vivir tanto o más que a mi propio…”- y aquí, iba a decir corazón, cuando su condición planetaria le aconsejó mejor usar la palabra núcleo: “Hasta ahora, sólo he vivido de sueños”- agregó él. “¿Y?” “Que con tu presencia siento que ya no voy a necesitarlos por el resto de mis días. Déjame ver tu otra cara, permíteme que ilumine todos tus rincones. Déjame que descubra tus facetas más oscuras. Déjame entrar en ti con las llaves de mi brillo. Por favor, déjame estar a tu lado. Necesito descubrirte con caricias y con besos” “Me asustas: necesito tiempo” “¿Acaso no te basta con toda la eternidad? Pídeme que pare el tiempo si es eso lo que deseas: sabes que por ti lo haría. ¿A las cuatro va bien? Bien sabes que soy incapaz de hacerte daño: Me lo impide mi propia fragilidad. Quiero orbitar a tu lado. “Pero tú…-dijo Siete lunas… ¡no me conoces!” “Lo sé, ¿y tú, acaso te conoces a ti misma?” “No quisiera hacerte daño”- dijo ella: “Más daño me harías si no me dejaras intentarlo”- sentenció él. Y añadió: “Pero si has de clavarme un puñal de mentiras en el futuro, hazlo ahora con tu lado oscuro… y olvídame sin más: Siempre he sentido una gran atracción por los planetas sinceros….¡y tu lo eres!”

Siete lunas parecía desear alejarse por momentos. Sin embargo, como si estuviesen predestinados a ello, sus orbitas, volvieron a cruzarse de nuevo.

“¿Sabes? Tengo un lado muy oscuro….” “Y yo todo el tiempo del mundo para tratar de comprenderlo” “Lo digo en serio, Cuatro soles” “Te quiero” “¿Con mis zonas oscuras, incluidas?”- dijo ella: “Por supuesto, no sería quererte si no fuese de ese modo. Lo cierto es que, sin ellas, no serías más que una parte de la luna y no una luna entera, ¡una mentira cochina, vamos!- esto último tan sólo lo pensó- y yo, como podrás comprender, como que lo que quiero es una luna completa. Para partes, me basta con un trozo de sandía”. Siete lunas sonrió: “Me encanta lo bien que explicas lo celestial yendo hasta lo terrenal” “¿Sabes?- dijo uno de sus más brillantes rayos amarillos: A veces tengo la sensación de que todo esto no es más que una ilusión”. Ella le escuchaba en un silencio casi reverencial: “A veces me preguntas qué quedará de nosotros cuando explosionemos” “¿Puedes ofrecerme respuesta?, contestó un tanto extrañada Siete lunas. “Lo sabes igual que yo: poco, muy poco- por cierto, como a todos los planetas -: polvo, gases. Y con ellos, volarán también las dudas, los miedos, las quimeras, los sueños, los anhelos, las desesperaciones, las alegrías, los llantos. Apagarnos, colapsarnos, e irnos. Es ley galáctica, ley del Universo.

Para entonces, aquellos fantásticos sueños que se habían fusionado en el preciso momento en el que Cuatro soles acarició con un rayo de luz a Siete lunas, dieron paso a una explosión de alegría en la conciencia de que, ni que fuese por unos instantes, ambos podrían tender ciertos puentes como planetas: “¿Me dejas ser tu laurel?” “Y tú, ¿me permitirías que te elevase con mi pico?”. 

Aquella madrugada, la Tierra, engalanó todos y cada uno de los confines del cielo con auroras boreales."

© Joan Morales Alcúdia

"18 de junho, seis anos depois, vivendo José Saramago" - "José e Pilar" Entrevista com o diretor Miguel Gonçalves Mendes

O vídeo pode ser visualizado, via YouTube, aqui

"O diretor português Miguel Gonçalves Mendes fala sobre o documentário "José e Pilar", feito a partir de registros dos últimos quatro anos de vida do escritor José Saramago ao lado de sua esposa, a jornalista espanhola Pilar del Río."


"Nesta entrevista o realizador Miguel Gonçalves Mendes fala sobre "José e Pilar" e conta da dificuldade que foi transformar 230 horas de filmagens em um filme de duas horas. No sábado veremos cerca de 15 minutos de cenas inéditas do documentário."

Via página do Facebook da Fundação José Saramago


quinta-feira, 16 de junho de 2016

"Homenaje a Saramago" pelo grupo parlamentar Podemos - A Casa em Tías - Lanzarote

"Este próximo sábado, 18 de junio, parlamentarias y parlamentarios de Podemos, rendiremos homenaje al maestro José Saramago. 
Será en su casa, recorreremos su vivienda, el lugar donde en los últimos 19 años escribió todos sus libros, desde el "Ensayo sobre la ceguera" hasta el último e inacabado "Alabardas", pasearemos por su jardín, tomaremos café en la cocina, para acabar en la Biblioteca, donde leeremos pequeños fragmentos de su obra, aquellos que por alguna razón nos parecen más significativos, o simplemente nos impactaron más. 
Será a partir de las 10.30"


Mais informações via página do Facebook "A Casa José Saramago", aqui


quarta-feira, 15 de junho de 2016

"Rever, repensar, reescrever." - Manuscrito de página de “O Ano da Morte de Ricardo Reis” (1984)

"Rever, repensar, reescrever."
“O Ano da Morte de Ricardo Reis” (1984)


"Saramago, José, 1922-2010
O ano da morte de Ricardo Reis : romance / José Saramago
1983; [4], 365 f. ; 30 x 21 cm;

Dactiloscrito a preto com emendas autógrafas a esferográfica azul e preta. - No canto superior direito da 1.ª folha do texto, uma nota autógrafa, riscada: «Rever, repensar, reescrever». - Tem como suporte folhas lisas A4, com numeração de [1] a 365 (correspondentes ao número de páginas do romance); inclui mais três folhas: folha de rosto, tábua de publicações e epígrafes; nos versos das folhas 39 e 341, fragmentos de texto dactiloscrito, um deles riscado e, no verso da folha 216, cálculos aritméticos. - Versão muito próxima da editada (Caminho, 1984), embora esta última não contemple todas as emendas deste documento e introduza outras alterações. (BNP N45/11)"

Pode ser consultado aqui, via página da Biblioteca Nacional

"Revisão de texto: uma penitência" de Eliezer Moreira publicado em "O Mirante" (13/06/2016)

"Revisão de texto: uma penitência" de Eliezer Moreira
Publicado em "O Mirante" (13/06/2016), e pode ser recuperado aqui
em http://omirante.pt/cartas-do-brasil/2016-06-13-Revisao-de-texto-uma-penitencia

"O revisor é aquele profissional que acerta milhões de vezes, sem merecer um único elogio, mas no dia em que deixa passar um só erro ele é prontamente chamado de incompetente. Deve ser por isso que José Saramago, certamente um bom conhecedor das agruras da profissão, criou a figura impagável daquele revisor chamado Raimundo Silva no romance História do cerco de Lisboa."

"O paulista Monteiro Lobato (1882-1948) não foi apenas um grande escritor, foi também um editor pioneiro no Brasil com a Cia. Editora Nacional, portanto, uma autoridade em matéria de livros, dominando desde a concepção do texto até o produto acabado na prateleira. Invoco sua figura para falar da coisa mais banal e nem por isso menos dramática quando se trata de escrever e publicar: o erro de revisão. Duas semanas atrás quase perdi o sono ao deixar sair aqui uma crônica com quatro sacis gritantes – quatro erros de digitação que o paginador Fábio Oliveira, assim que solicitado, me fez o imenso favor de eliminar. Falando certa vez a respeito dessa tragédia também conhecida como gralha ou pastel e que, no seu tempo, ainda se chamava erro tipográfico, Lobato assim se manifestou: “A luta contra o erro tipográfico tem algo de homérico. Durante a revisão os erros se escondem, fazem-se positivamente invisíveis. Mas, assim que o livro sai, tornam-se visibilíssimos, verdadeiros sacis a nos botar a língua em todas as páginas. Trata-se de um mistério que a ciência ainda não conseguiu decifrar”.

Se é assim com o livro, produto de elaboração demorada que comumente é lido e relido muitas vezes e por muitos olhos antes de ser impresso, o que dizer do texto jornalístico, que hoje se escreve e se publica quase simultaneamente no meio digital? Embora em geral curto, o texto de jornal nem por isso está menos sujeito ao acúmulo de gralhas. Algum tempo atrás, ao falar da obrigação de rever a própria escrita em sua coluna em O Globo, Elio Gaspari empregou o advérbio perfeito ao dizer que lera e relera aquele trabalho “piedosamente” antes de autorizar sua publicação. O termo supõe a ideia de penitência, daí sua exatidão, porque se o trabalho de escrever pode ser penoso ou gratificante, rever o próprio texto é sempre uma penitência. E uma penitência cada vez mais inevitável, já que a figura do revisor parece fadada a desaparecer das redações, se é que já não desapareceu.

E não é somente grande pena que esse animal indispensável esteja em risco de extinção, o seu fim seria também a consumação de uma eterna injustiça, porque injustiçado ele tem sido desde sempre. Falo com a autoridade de quem já reviu muito texto alheio durante muito tempo. O revisor é aquele profissional que acerta milhões de vezes, sem merecer um único elogio, mas no dia em que deixa passar um só erro ele é prontamente chamado de incompetente.

Deve ser por isso que José Saramago, certamente um bom conhecedor das agruras da profissão, criou a figura impagável daquele revisor chamado Raimundo Silva no romance História do cerco de Lisboa. Tendo passado uma vida inteira num trabalho apagado e obscuro, um belo dia Raimundo Silva resolve acrescentar uma simples palavra – “não” – ao texto que está a revisar, e com isso muda completamente os rumos de toda uma história. Bem feito."


terça-feira, 14 de junho de 2016

"Nem preciso de Deus" - Entrevista de Alexandra Lucas Coelho publicada no suplemento Mil Folhas (jornal Público - 11/11/2000)

A fotografia da capa desta edição, foi posta em destaque na página do Facebook da Fundação José Saramago, aqui em https://www.facebook.com/fjsaramago/?fref=nf

"A capa do saudoso suplemento Mil Folhas do jornal Público de 11 de novembro de 2000, onde se publicava uma entrevista dada por José Saramago a Alexandra Lucas Coelho por altura da publicação de "A Caverna".
A ilustração da capa é de André Letria." - Fundação José Saramago

A entrevista pode ser consultada e recuperada, aqui
Publicada no suplemento Mil Folhas (jornal Público - 11/11/2000)

"Nem preciso de Deus" - Alexandra Lucas Coelho

"O primeiro romance de Saramago pós-Nobel não chega a ter matéria de incómodo. Talvez no próximo, "A Viagem do Elefante", regresse à insurreição com que fala, por exemplo, de Deus.

Só por ordem médica o Nobel José Saramago desistiria de viajar. E como aos quase 78 anos (cumpridos no próximo dia 16) continua seco e saudável, entre Nova Iorque e Santiago do Chile deu um pulo a Lisboa esta semana. Os 50 mil exemplares do seu novo romance acabavam de ser impressos, a tempo de chegarem dia 15 às livrarias, e havia que acertar os pormenores do lançamento nacional e internacional - directos pela Internet, digressões por Espanha, etc. 
Sendo que a ideia de "A Caverna" já vem de antes do Nobel, ao fim de três anos e de umas tantas voltas ao mundo, eis finalmente o romance - afinal escrito em apenas seis meses, os primeiros de 2000. Um recorde pessoal de quem queria mesmo acabar antes do fim do século. "A única pressão era essa, escrevi-o no mesmo estado de espírito dos anteriores. Não tinha que provar que era capaz de fazer outro livro." 
De resto, o próximo, entre uma digressão e outra - "não consigo dizer que não" - já tem nome: "A Viagem do Elefante", a ser escrito logo que Saramago termine duas encomendas menos morosas: uma história policial, para o Brasil, e o prefácio de um volume da Bíblia, a sair em Itália. 
Na Alegoria da Caverna segundo Saramago, uma família de oleiros representa o exterior humano e artesanal de um Centro (nunca se escreve comercial, mas o autor tem-lo dito) com muralhas altas e janelas que não se podem abrir (para evitar suicídios incómodos). 
Estamos longe da intensidade (e da ideia) de um "Ensaio Sobre a Cegueira", a obra que abre, diz o autor, a "trilogia involuntária" que "A Caverna" vem fechar - no meio está "Todos os Nomes" -, constituindo uma "espécie de visão do estado da humanidade". 

PÚBLICO - "A Caverna" não é propriamente uma descida aos infernos. Em relação ao "Ensaio Sobre a Cegueira", em que o autor nos coloca dentro do horror, aqui estamos sempre de fora, e quando entramos, saímos logo, como os protagonistas, aliás. 
JOSÉ SARAMAGO - Saiem, mas sabem que o que faziam [a olaria] já não serve a ninguém e que o futuro é incerto. Essa saída faz-se pelo amor, duplamente, o de Marçal e Marta, o de Cipriano e Isaura. O amor construído a pouco e pouco, que tem medo de ser. Mas é efectivamente um livro cheio de ternura.

Que tempo e lugar tinha na cabeça?
Pode ser o nosso tempo. Não houve nenhuma catástrofe nuclear nem ecológica. Aquele rio está podre, mas não faltam rios podres... o lugar concreto que tinha na cabeça é a minha própria aldeia [Azinhaga, concelho da Golegã], o rio da minha aldeia que cheira mal que tresanda... com as fábricas que despejam todas as imundíces. E há esse mundo que se extingue, que tem como paradigma a olaria.

Em vez do Centro, da Caverna, o autor opta por detalhar aquela vida artesanal, aquela humanidade arcaica.
Foi talvez a própria história que o determinou. Dei-me conta que havia qualquer coisa ali que se destingue do "Ensaio...", de "Todos os Nomes".

Como se a sua visão amarga e pessimista se tivesse suavizado?
Não, não penso melhor do mundo do que quando escrevi o "Ensaio...", nem haveria razões para isso. Digamos que aquela gente merecia outro tratamento. É uma espécie de piedade, que não é auto-comiseração, mas piedade pelo ser humano, que é tão frágil. Mas o autor tem a consciência de que nunca vivemos tanto na Caverna de Platão como agora. Acho que o Platão escreveu o livro sétimo da "República" para nós. É que as pessoas estão tão contentes de ser aquilo que são... E sem querer chocar ninguém, estão a ser tão pouca coisa que não creio que seja "A Caverna" que os vai iluminar, provavelmente necessitariam de um choque mais violento, um choque com os seus próprios interesses. Vivemos em plena egonia, é o egonismo não só dos que têm, mas dos que fazem de conta que são ricos. Andamos no fingimento.

Na disputa de poder interno, o PCP é um partido como os outros

A ilusão da Caverna. E qual é a alternativa?
O caminho da participação, da indignação, uma insurreição ética. Os partidos políticos, particularmente os de esquerda, deveriam meter os seus programas numa gaveta e pôr na mesa e na prática uma coisa tão simples como a carta dos direitos humanos.

Nessa lista incluía o PCP?
Evidentemente.

É o seu partido, ultimamente rasgado por debates internos que têm a ver com liberdades tão básicas como a de expressão.
O que está em debate no PCP é que há uns que se anunciam assim e outros que se anunciam assado e, como é normal em qualquer partido, uns pretendem retirar os outros para ocuparem o seu lugar. Nesse plano, o da disputa do poder interno, o PCP é um partido como outro qualquer. Mas não está a acontecer nada de extraordinário, tudo isto se passou noutros partidos comunistas. As coisas vivem, têm um tempo, corrompem-se, fragmentam-se. O unanismo não é possível. Costumo dizer que não deixo o meu partido sobre a condição de que o meu partido não me deixe a mim.

O partido deixá-lo significa o quê?
Deixar o partido de ser o que é, aquilo que me fez entrar nele. Mas não vejo outro onde pudesse estar. Se o partido me deixar, não vale a pena virem-me com cantos de sereia. Se houver essa mudança, que pode acontecer, não me verão noutro. O PCP nem sempre me tratou bem, mas não vale a pena levantar agora a crosta das feridas.

Porque estão saradas?
Saradas estão, mas esquecidas não.

Há uma pergunta, que calculo que para si seja particularmente incómoda, que tem a ver com o livro de Carlos Brito.
Qual livro de Carlos Brito?

O livro que a sua editora, a Caminho, recusou e que foi publicado agora na Campo das Letras.
Nada a dizer. Não sei nada. Não conheço a história.

Sente-se longe, Portugal não é a sua casa?
Não é a minha casa mas é o meu país. Sinto-me um português... pago os meus impostos aqui, se isso interessa a alguém... o que me dói é que esta terra tenha deixado de sonhar.

Imagina-se a voltar?
Creio que não. Mas mesmo lá [em Lanzarote], as coisas não são tão fáceis. Agora estão a chegar às Canárias clandestinos de África, e desenvolvem-se movimentos racistas, xenófobos, contra os quais protestei. E no outro dia, em Las Palmas, houve uma manifestação em que se gritava: "Saramago vai-te embora!".

E o senhor vai?
Não. Mas eu venho cá quase todos os meses, e sou apenas um dos muitos que vivem longe... o Jorge de Sena estava longe, o Rodrigues Miguéis também, o Eduardo Lourenço está longe, e alguns eventualmente não estão longe porque não podem, ou não encontraram razão para isso. Eu não faço tanta falta, e a que faço satisfaço-a escrevendo, em português.

O que está a escrever?
Vou escrever um prefácio para um dos livros da Bíblia, uma edição italiana, em volumes. Para uma colecção da Companhia das Letras, brasileira, vou fazer uma história policial com uma figura literária, escolhi o Alexandre Dumas. Há ainda "O Livro das Recordações", que afinal se chamará "O Livro da Lembrança", tenho que voltar aos "Cadernos de Lanzarote", que só interrompi para que não fosse um relato contínuo de viagens. E nestes últimos dias, em Lanzarote, apareceu-me uma ideia para um romance, "A Viagem do Elefante". Não quero dizer mais que o título.

"Não tenho nenhuma relação com Deus"

A propósito da Bíblia, a sua relação com Deus...
Não tenho nenhuma relação com Deus! Tenho uma relação com um texto que se chama Bíblia.

A sua tranquilidade é tanta que consiga dizer isso assim?
Total, total. Vivo tão tranquilamente com a Bíblia, como vivo com o Corão, com os Vedas, com o Talmude... são obras humanas! A Bíblia levou quatro mil anos a escrever! Se se considera legítimo, não havendo provas, que se diga que Deus existe, também se deve considerar legítimo que se diga que não. Há coisas que para mim são básicas: as religiões nunca serviram para aproximar as pessoas, pelo contrário; matar em nome de Deus é fazer de Deus um assassino, e assim se tem feito; se há guerras absurdas são as religiosas; se amanhã um Deus - porque se houver Deus é um único - tiver que chamar toda esta gente para lhe pedir contas, vai encontrar-se com milhares de religiões, sub-religiões, seitas, etc. E o que é que ele vai fazer? Premiar uns quantos que sejam católicos e islamistas e castigar os outros? Tudo quanto se passe em nome de Deus é pura farsa, puro engano, pura mentira, ninguém pode falar em nome de Deus, se Deus existe, não disse a ninguém nada. Não disse. Para mim não existe Deus.

E como é que se pensa na morte?
É enquanto estamos vivos que devemos pensar na morte. Qual é a diferença de pensar na morte crendo ou não crendo?

Para um crente a morte não é o fim.
Mas porque é que a morte não é o fim, se tudo tem que ter um fim? Tem algum sentido, numa galáxia tão imensa, que Deus tenha posta a sua suprema obra aqui?!!! Num planeta que tem uma história, que tem uma bola de fogo, que tem ainda fogo dentro? A vida é uma operação química de todos os dias e foi assim que começou. O milagre, a coisa genial, é que fomos capazes de inventar tudo. Até fomos capazes de inventar Deus. O que é que há fora da minha cabeça? Na minha cabeça pode estar Deus, pode estar o Diabo. Aqui [aponta para a cabeça] é que está o bem, o mal, a justiça, conceitos que transporto, aqui! E note que não sou má pessoa, nem preciso de Deus para ser boa pessoa, tentar, pelo menos. E não me tenho dado mal."